Porque escrever é uma terapia. Cura a alma de quem lê. Cura a alma de quem escreve.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
No final.
- Como é que a gente sabe?
- Saber o quê?
- Se estamos tomando as decisões certas?
- Acho que a gente não sabe. Este é o tipo de coisa que a gente só descobre no final.
domingo, 21 de agosto de 2011
Série "Uma Carta para você" - Primeira Carta: Ao Tempo, com carinho.
Querido Tempo,
Você passou depressa, meu amigo. Ainda ontem éramos duas crianças brincando, alheias a tudo, a todos, ao mundo. Alheias a nós mesmas, até. Você não era tão importante, é verdade. Afinal, o que eram os meses, os anos? Confesso que isso não tinha para mim valor algum. Não podíamos dimensionar grandezas tão inúteis naquela época. As datas me pareciam totalmente abstratas, apenas uma voz adulta que de vez em quando perturbava, tão distante que soava irreal. Não havia preocupações, querido Tempo. A vida cabia toda num único instante, num sabor de sorvete, numa tarde no parque, na água gelada da piscina. Tudo era tão simples. Quem é que se preocupava com o dia de amanhã? Os adultos, certamente. A nós, crianças, cabia apenas a delícia do hoje, a glória do agora, a alegre solidez dos minutos bem aproveitados, sorvidos com avidez. Para nós, o amanhã não existia. Após o hoje, haveria um novo hoje, e outro, e outro mais. A incerteza do futuro não tinha poder sobre nós. Íamos, assim, felizes, munidos de sorrisos, travessuras, molecagens. Grandiosos príncipes e princesas, cavaleiros, desbravadores de milhões de mares, bailarinas, marinheiros, astronautas, possuidores de todas as garantias. O mundo era nosso, e cabia na palma de nossa mão.
Ser criança era de fato algo muito simples. Porque criança não tem essa de 'ser ou não ser', não existe a hipótese dessa questão. Ela é. O que quiser. E só.
Mas aí veio você com sua curiosidade medonha, Tempo. E as coisas mudaram de repente. Você abriu o portal para uma nova dimensão, o qual atravessamos juntos, em meio a passos vacilantes.
Então você se fez notar. Abriram a temporada de prazos e datas-limites. Uma judiação o que fizeram com você, querido amigo. Tolheram a sua liberdade. Penso em como você deve se sentir. Um sujeito outrora tão livre, tão cheio de si, em poucos anos preso, arregimentado, minuciosamente controlado. Tão triste viver assim!
Ai, Tempo. Tenho pena de você. Tenho pena de nós dois. Sei que não era para ser assim; você e eu planejamos tudo de forma tão diferente! Na nossa maneira de conceber o futuro, as coisas seriam mais pacatas e mais serenas. Éramos dois sensíveis, você se lembra? Dois utópicos sonhadores...
O nosso erro, querido Tempo, eu já sei qual foi.
O nosso erro foi ter pensado a vida sob a ótica ingênua das crianças.
Ana Teresa.
sábado, 20 de agosto de 2011
Aquilo que eu não disse.
Tenho andado pensando em tantas coisas. Preocupando-me com tantas coisas. Tanto a fazer, tantos horários a cumprir. Nessas idas e vindas, quase me esqueci de você. Eu disse 'quase', veja bem. Em meio a uma reunião de negócios, ou simplesmente voltando do escritório, quando sinto a brisa fresca da tarde a tocar-me o rosto, lembro-me do quanto você gostava do vento. E vem à minha mente a imagem do seu vestido leve de verão, seus cabelos cor de mel espalhando-se em milhares de direções distintas. Impossível esquecer. Escuto seu riso fresco, vejo novamente seus lábios entreabrirem-se revelando um doce sorriso. E, num instante de louca inspiração, penso ouvir a sua voz. Viro-me, procuro por você e tudo o que encontro é a sua ausência. Então me lembro das suas explicações sobre furacões e tornados. "São apenas ventos furiosos, Miguel", você costumava dizer. Lembro de achar você tão louca. Tão louca, meu Deus. Todas aquelas idéias cosmológicas, todo aquele vinho regado à filosofia, os sete brincos na orelha esquerda, a paixão por comédias românticas e cachorros, as lágrimas vertidas copiosamente ao assistir o último capítulo da novela das oito... e, ainda por cima, aquela mania de falar sobre ventos. Você era tão diferente de todas as pessoas que eu conhecia. Suas poesias rabiscadas no caderno de economia do jornal matutino. Sua mania de neologismos que eu quase nunca entendia. Sua maneira nada sutil de fazer-se notar. Lembro-me de perder o rumo da conversa quando encontrava seus olhos morenos ali boiando no caminho. Lembro-me de esquecer a pronúncia das palavras quando ouvia você chamar meu nome. “Miguel, você viu o jornal de ontem? Um tornado, em algum lugar... Ei, Miguel, você acha que eu deveria tatuar um ciclone nas costelas? Miguel? No que você está pensando? Miguel! Miguel!”
E eu, que achava absurdo seu riso parecer tão sincero, eu, que me perguntava se tanta felicidade podia de fato existir, fiquei perplexo na primeira vez em que me peguei pensando em você.
Tantas palavras não ditas. Tenho a impressão de que você sempre esperou ouvi-las.
Eu te amava tanto. Amava tanto ao ponto de deixar bem escondido. Aquelas ligações anônimas que você recebia de madrugada? O buquê de flores sem cartão que você recebeu no trabalho? Fui eu. E, onde quer que você esteja, por Deus, saiba que não há um único dia sequer em que eu não deseje voltar no tempo. Pra fazer tudo diferente, sabe? Colocar um cartão assinado por mim naquele maldito vaso de flores. Te ligar num horário normal convidando para ver aquele filme que ficou em cartaz por duas semanas. Você queria tanto ver aquele filme.
Todas as coisas do mundo me parecem tão inúteis agora. Nada trará você de volta. Você se foi para sempre.
Tantas palavras não ditas. Tenho a impressão de que você sempre esperou ouvi-las.
E eu sempre quis dizê-las.