Loretta era uma jovem qualquer com alma de gente mais velha. Desses tipos encantadores que às vezes encontramos por aí. Um tipo que costuma colecionar livros ao invés de roupas, que sonha viagens pela Europa e não sapatos de sola vermelha. Que queria viver em Tróia ou na Grécia Antiga. Do tipo que morre de medo de se tornar alguém igual a todo mundo.
Loretta sempre fora diferente, pensativa. Pois bem: adorava pensar o mundo. E tinha idéias muitíssimo interessantes! E costumava escrever também: amava o jeito como a caneta arranhava o papel, as letras se derramando, sílabas se compondo, palavras jorrando... Esse espetáculo surdo exercia sobre Loretta grande fascínio e atração.
Mas o tempo passou e Loretta foi sendo empurrada vida afora, às vezes brusca, outras vezes docemente. O passar dos anos nem sempre era afável... A obrigação de crescer, de fazer escolhas, de fazer parte da população economicamente ativa, tudo isso consumia muito tempo e energia e muitas vezes Loretta se sentia exaurida. Pensar foi se tornando aos poucos um luxo, sentir já não era tão fácil e Loretta temia que o dia-a-dia asfixiasse sua sensibilidade.
Ah, Loretta, como era bom tirar a tarde de folga, ter tanto tempo para pensar; que exercício maravilhoso e tão pouco utilizado! Pen-sar, pe-n-sar, pens-ar, simples e puramente. Imaginar coisas bobas e infantis: o porquê de as melancias serem vermelhas e não azuis. Imaginar coisas de adulto, coisas que devem ser imaginadas: o que é preciso para que haja a paz? Imaginar coisas de quase-adulto, difíceis de serem respondidas mas totalmente coerentes: quem inventou a tristeza, a tragédia, a fome, o extermínio?
Mas as tardes de folga eram cada vez mais raras: Loretta subia na hierarquia de sua profissão. Mais dinheiro na conta bancária, mais trabalho para casa, menos tempo sobrando. Loretta não tinha mais tempo para escrever. No início lamentou, mas depois esqueceu. Escrever agora era algo restrito aos cartões de Natal.
Loretta se olhava no espelho e não se lembrava mais da jovem que sonhava viagens pela Europa, da jovem que colecionava livros, que morria de medo de se tornar igual a todo mundo. A imagem refletida era a de uma mulher cansada, soterrada pelos afazeres, destruída pelo cotidiano, perdida de si mesma. De alguém que desistira de seus sonhos.
Quando Loretta se deu conta disso, chorou. Muito.
Porque às vezes dói se tornar alguém igual a todo mundo.